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  • Terça-feira, 31 de maio de 2005


    Michele

    Olavo ainda não sabe disso, mas sua vida vai se complicar bastante por causa da Internet.

    Olavo é pai de Michele - que tem 14 anos, possui três contas de e-mail, um blog, um flog, participa de mais de 60 comunidades no orkut e tem quase 200 contatos em um programa de mensagem instantânea.

    Olavo pensa que ela passa muito tempo em frente ao computador. Ele gostaria que sua filha tivesse mais amigos, saísse mais, e até estranha o fato de ainda não ter aparecido nenhum namoradinho, nem ao menos uma paquerinha na vida de sua filha.

    O que Olavo não sabe é que ela tem não só um, mas três namoradinhos. Todos virtuais. E que inclusive já fez sexo, naturalmente virtual, com um deles. Michele até quis dividir com a mãe a emoção da sua primeira relação sexual, mas achou que ela não entenderia.

    O que Michele não sabia era que seu namorado virtual Carlinhos, um menino de dezesseis anos de Curitiba, não manteria o mesmo segredo sobre a relação deles. E que espalharia para todos os amigos o vídeo desse encontro virtual.

    Claro que isso passaria batido se um dos amigos de Carlinhos não tivesse encaminhado o vídeo para todos os seus contatos. E se um desses contatos não fosse responsável por um site de pedofilia. Por trinta e nove reais e noventa centavos por mês os associados têm acesso a muitas fotos e vídeos de garotinhas, como por exemplo, o vídeo de Michele.

    Olavo não é má pessoa. Trata sua filha e esposa com muito carinho, é um homem trabalhador, e nunca tocou um dedo em uma criança. Mas digamos que, nas horas vagas, ele gosta de ver pornografia, de preferência com meninas novinhas. Ele não é um monstro, jamais machucaria uma criança, e acha que ver foto não tira pedaço, não é mesmo?

    Não, Olavo acha que ver foto não tira pedaço. Afinal de contas, se a menina está lá se mostrando é porque ela quis. Principalmente nesses tempos de câmeras digitais e webcams, não é como se tivesse um adulto obrigando a menina a se masturbar para a câmera.

    De consciência quase tranqüila, Olavo liga seu computador e se conecta à rede. Entra em um site de pedofilia do qual é sócio, digita sua senha e tenta decidir pelo vídeo que vai assistir hoje. Acha graça que a menina de um dos vídeos tenha o mesmo nome de sua filha.

    Enquanto espera o vídeo carregar, Olavo não faz idéia do que está por vir. Ele ainda não sabe, mas sua vida está prestes a desmoronar.




    Terça-feira, 24 de maio de 2005

    Ciúmes

    Toca o telefone celular de Carlos. Luisa, dispensada mais cedo do trabalho, avisa o marido que vai ao cinema com um colega de escritório. Que vai chegar em casa no meio da tarde, e que por essa razão irá preparar um jantar, ao invés de saírem para jantar como fora combinado anteriormente.

    Carlos ouve, deseja um bom divertimento a Luisa, diz que a ama, e desliga o telefone. Transtornado.

    O ciúme pode destruir um relacionamento. Mais que isso, o ciúme pode destruir uma vida. De todos os sentimentos humanos, é provavelmente o mais nefasto. Claro que ódio, desprezo e vingança são ruins, mas só o ciúme tem o poder de desencadear todos esses sentimentos.

    E não é só isso. O ciúme é um sentimento que surge dentro do indivíduo. A sede de vingança, o ódio e o desprezo geralmente são criados por fatores externos. Eu quero vingança porque mataram meu pai, eu tenho ódio de alguém que me humilhou, eu sinto desprezo por alguém que me magoou. Mas eu sinto ciúmes de alguém que eu amo.

    Carlos sabe disso. E por essa razão sofre tanto. Ele sabe que está sendo consumido por um sentimento que não encontra sentido em outro lugar que não sua própria insegurança. Sente-se vítima de si mesmo, e teme que alguma gota de ressentimento possa respingar em Luisa, cuja única culpa em toda essa história, é ser amada.

    Talvez Luisa tenha outras culpas: é bonita, inteligente, e sua timidez a torna especialmente intrigante e desejável. Carlos sabe porque fora atraído por esse desejo quando a conheceu. Será possível que outros homens não percebam?

    Claro que percebem. E desejam. E alguns farão de tudo para conquista-la. Afinal de contas, se um sujeito que só é especial aos olhos de Luisa conseguiu, por que não outros, mais bonitos e mais inteligentes que ele?

    Carlos confia em Luisa. Confiança é o elemento sem o qual relacionamento nenhum pode funcionar por mais de poucas horas. Ela jamais dera motivos para que ele não confiasse. Carlos acredita, do fundo de seu coração, que Luisa jamais teria outro homem sem que ele soubesse primeiro.

    O único problema de Carlos é explicar isso para seu estômago, que insiste em se comportar como se fosse uma secadora de roupas. Suas mãos também têm dificuldades para entender esse conceito de confiança, já que elas estão geladas, e suam sem parar.

    Carlos sabe que o dia está perdido. Não conseguirá se concentrar no trabalho, terá dificuldades para comer, e gastará cada minuto pensando em Luisa, em seu colega de trabalho e em uma sala de cinema qualquer.

    E assim será até que Carlos chegue em casa e encontre Luisa, que estará esperando por ele, tão apaixonada e inocente como no dia em que se conheceram. Luisa dirá que o ama, e que sentiu falta de sua companhia no cinema. E durante um abraço, Carlos voltará a sentir-se o homem mais feliz do mundo.



    Terça-feira, 17 de maio de 2005

    Vida de escritor

    Miguel escreve contos em uma revista semanal de circulação nacional. Também escreve crônicas duas vezes por semana. Crônicas essas que são publicadas em jornais de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Goiânia, e em mais 14 cidades cujos nomes Miguel raramente consegue lembrar.

    Nas livrarias - buscando na seção literatura brasileira, subseção contos e crônicas, por ordem alfabética de sobrenome de autor, na letra J - podemos encontrar treze títulos escritos por Miguel. Onze são coletâneas dos melhores textos anteriormente publicados em jornais ou revistas. Dois são publicações de contos inéditos.

    Além disso, já escreveu dois romances, ambos publicados por uma grande editora. Ambos foram elogiados pela crítica, com direito a um prêmio Jabuti e tudo. E mais importante, ambos tiveram vendagens acima do esperado.

    Paulistano de nascimento, Miguel hoje vive em Florianópolis. Mora em uma casa na beira da praia, e faz da varanda seu escritório, graças à invenção do laptop. Muitas vezes escreve seus textos enquanto vê sua filha Luisa, de sete anos, brincar na areia da praia, e tendo como companhia seu filho Mateus, de três anos, cochilando na rede ao lado.

    Ao contrário de muitos escritores, não faz questão de ler tudo o que se publica sobre seu trabalho, muito menos de guardar os recortes de jornais e revistas. Até porque ele sabe que tanto sua mãe como sua esposa já fazem esse trabalho melhor do que ele seria capaz.

    Sujeito falador, Miguel gosta de dar entrevistas. Principalmente porque não se fazem perguntas pessoais a escritores. Às vezes o incomoda um pouco ser chamado para opinar em assuntos tão diversos quanto a taxa de juros e o último show do Carlinhos Brown, já que por alguma razão os meios de comunicação o consideram um formador de opinião. E assim, lá está Miguel repercutindo todo e qualquer acontecimento.

    Poderíamos chegar ao extremo de dizer que Miguel tem o que muitos chamariam de uma vida perfeita. É muito bem pago para fazer o que gosta, trabalha de frente para o mar sem sair de casa, é unanimemente reconhecido por seu talento, mas conserva sua privacidade intacta e, além disso, tem filhos lindos.

    Miguel reconhece que é uma pessoa privilegiada e agradece a Deus por tudo o que conseguiu, mas não é um homem feliz. O que ele queria mesmo era ser poeta.