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  • Terça-feira, 01 de fevereiro de 2005

    Motivações

    No exato momento que seu pé-direito tocava o chão da empresa em que trabalhava, Renato fez o sinal da cruz. Com a ponta dos dedos médio e indicador tocou a testa, o peito, o ombro esquerdo, o ombro direito e os lábios. Não disse palavra, mas dentro de seu coração agradeceu a Deus por mais um dia de saúde e trabalho.

    Não que ele tivesse um gosto exacerbado pelo trabalho, mas sabia reconhecer a importância de estar empregado. Mais que isso, reconhecia a importância de estar empregado em um negócio legal, longe do crime. Trabalho honesto, office-boy em um escritório do centro, quatrocentos reais por mês, segundo o que estava registrado em sua carteira de trabalho.

    Nem por isso deixava de ser importunado pela polícia, afinal de contas um emprego honesto não muda a cor da sua pele nem o olhar receoso de quem já teve muito motivo pra temer e fugir da lei. A cicatriz no ombro, herança da facada que recebeu do irmão em uma briga de criança, também dava muita corda pra imaginação dos soldados.

    Por uma ironia que só a vida real é capaz de proporcionar, Renato visitou a delegacia por duas vezes, as duas depois de ter arrumado o tal emprego de boy. Nas duas vezes, pelo descuido de ter esquecido a carteira de trabalho em casa. Durante os três anos e oito meses que integrou uma gangue de pichadores teve que correr muito da polícia, mas nunca foi pego. Nem durante os quatro meses roubando CD-players de carro. Pura ironia.

    Se os motivos pelo qual Renato decidiu abandonar os furtos e dedicar-se a uma carreira de caminhadas, conduções, filas de banco e cartórios nos permanecem obscuros, os motivos pelo qual praticou crimes durante boa parte de sua vida são conhecidos. Como quase todos os seus amigos, Renato não conheceu o pai, apanhou do padrasto durante alguns anos, largou a escola cedo e encontrou na pichação um meio de ser respeitado pelas garotas.

    Daí a acompanhar o irmão mais velho nos roubos foi um pulo. Não se condenava pelo que fazia, pois os ricos têm muito dinheiro e podem comprar um novo som para os carros. Ele não tinha nada e ia trocar aquele som por comida. E por roupas, drogas, mulheres e outros artigos indispensáveis na vida de um jovem. E que não podem ser comprados com salário de trabalhador.

    Muita gente acha que Renato decidiu largar o crime quando o irmão mais velho foi preso. Outros acham que foi por causa da morte do irmão, esfaqueado depois de quatro dias na carceragem da delegacia. Priscila, namorada de Renato, acha que foi por amor a ela, que não admitia namorar um bandido.

    Ao começar mais um dia de trabalho, Renato fez o sinal da cruz e agradeceu a Deus por estar vivo, com saúde e trabalhando. E apesar de ter a certeza de estar fazendo a coisa certa, nem mesmo ele conhece os motivos que o fizeram trocar dinheiro, roupa, drogas e mulheres por uma vida de caminhadas, conduções, filas de banco e quatrocentos reais por mês.