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  • Terça-feira, 14 de dezembro de 2004

    O princípio da vida


    Aos vinte e dois anos de idade, Clara ainda tinha dúvidas com relação à sua maturidade. Certamente não era uma criança, tampouco uma adolescente. Mas em hipótese nenhuma sentia-se adulta. Para todos os problemas cotidianos podia contar com seus pais. Conta do celular, seguro do carro, casa, comida e roupa lavada.

    Desde pequena ouvia a mesma ladainha. “Você precisa estudar, tem que se preparar para quando for adulta. Quando sua vida começar de verdade, você vai ter que estar preparada”. Sentia-se como se toda sua existência até então não passasse de um treinamento para a vida real. O difícil era saber quando essa tal de vida começaria.

    “Será que minha vida começou e eu nem percebi?”, perguntou-se Clara, sentada dentro do carro parado no estacionamento da faculdade, com um envelope branco, ainda perfeitamente lacrado na mão. Abriu o envelope. Positivo, dizia o exame.

    Pela primeira vez em toda sua vida, sentiu-se absolutamente solitária. Naquele momento, nenhuma outra pessoa no mundo poderia entender o que ela estava sentindo, muito menos poderia ajuda-la. Não importa o que as outras pessoas dissessem, seria ela, ninguém mais, a tomar a decisão.

    Começou por analisar todas as consequências do que acabara de descobrir. Antes de mais nada teria que contar aos pais, e em seguida, ao namorado. Nenhum dos três ficaria feliz com a novidade, e certamente apontariam para a mesma solução. E então Clara continuaria a sentir-se só.

    Não achava justo ter que tomar essa decisão tão jovem. Mas sabia que se não fosse capaz de decidir sozinha, jamais seria capaz de dar à luz e criar a criança em que se transformaria o embrião que trazia em seu útero.

    Se realmente decidisse prosseguir com a gravidez e ter um filho, teria que largar a faculdade por pelo menos um ano, abandonar o grupo de ballet do qual fazia parte, e abrir mão da vaga de estágio pela qual estava lutando naqueles dias. Não parece tanta coisa, mas pensando no longo prazo, era todo um projeto de vida a ser jogado para o alto.

    Por outro lado, sussurrar a palavra aborto lhe dava calafrios. Não conseguia de maneira alguma pronunciar tal palavra em voz alta, quanto mais imaginar-se deitada em uma maca de hospital, tendo uma vida arrancada de dentro de seu corpo. Um pedaço de si mesma que seria extirpado, como se fosse uma verruga ou uma amígdala, que não servem para nada.

    Sentada naquele carro, com um envelope branco na mão, uma lágrima solitária a escorrer pelo seu nariz e tendo que optar entre um projeto de vida e um pedaço de seu corpo, Clara só tinha uma certeza: sem que conseguisse perceber quando, sua vida já tinha começado.